A Associação Brasileira dos Produtores de Discos (ABPD) vem veiculando, na televisão, um longo filme em que conclama - o tom é conclamatório - a sociedade a combater a pirataria de discos, pede providências ao Poder Executivo contra a pirataria de discos, usa vozes de nomes conhecidos - Caetano Veloso, Elba Ramalho, Ney Matogrosso, Gilberto Gil, Milton Nascimento, por aí - condenando de forma veemente a pirataria de discos.
"Estão querendo calar a música brasileira" é a frase que serve de slogan à campanha, um bom filme publicitário que, como toda publicidade, não dá a verdade completa. É necessário combater a pirataria, não só de discos, naturalmente que sim. Mas é preciso, muito mais importante, imediatamente, premente, combater outras formas de pirataria, institucionalizadas, vergonhosamente praticadas, nunca denunciadas - pois quem as poderia denunciar tem tudo a perder.
Por pontos. A ABPD congrega as grandes gravadoras multinacionais e umas poucas nacionais; das nacionais, a mais poderosa é a Som Livre, que não tem elenco. A Xuxa é a única contratada dela, que edita as colagens usadas nas trilhas sonoras das novelas da TV Globo. Nessas colagens é muito raro aparecer música do Milton, Caetano, Gil, Ney. O grosso do material nacional que entra nas trilhas das novelas é de samba brega, sertanejo brega, música baiana brega, forró brega, pop burro, breguíssima "música romântica". E assim por diante. Vocês sabem de que tipo de artista falo.
Para dar "seriedade" à campanha, entretanto, a ABPD não usou a palavra daqueles em que suas associadas investem dinheiro publicitário, pagando fortunas aos programadores de rádio (a chamada prática do jabá) para que suas porcarias submusicais ganhem execução exaustiva em todo o País. Não usou a falsa loira calipígia, o neguinho de cabelo esticado, o caubói que parece ter saído de western norte-americano classe D. Não usou, enfim, aqueles a quem dá verdadeira importância.
Usou gente, por assim dizer, séria, que tem opinião, que forma opinião, que é capaz de impressionar o telespectador. Mas, bolas, se essa gente é melhor para fazer uma denúncia, uma advertência, por que não é boa para ser seguida, fazer herdeiros que mereçam incentivos? Se é essa gente que forma opinião, por que seus filhos estilísticos são barrados às portas das gravadoras, considerados "difícieis", "elitistas" e rótulos assim, enquanto as mesmas portas são escancaradas para as cópias das falsas louras, as cópias dos falsos pagodeiros, as cópias dos sertanejos movidos a jabá, as cópias dos pops anoréxicos - para os desprovidos de originalidade, inteligência, criatividade?
Então, meus caros, quem está querendo calar a música brasileira, em primeiríssimo lugar, são as gravadoras representadas pela Associação Brasileira dos Produtores de Discos. São elas, é a ABPD, que vêm cometendo o crime de lesa-pátria de emburrecer a trilha sonora do País, a música que já foi a mais rica do planeta e hoje é motivo de escárnio internacional. É a ABPD, são suas representadas, que sufoca os talentos nascentes (a menos que o aspirante a artista aceite imitar o último "fenômeno" criado na coxia do programa do Faustão, na vergonheira das convenções dos programadores de rádio e assim por diante), que impede o surgimento dos novos Chico Buarques, Caetanos, Gal Costas, Nana Caymmis. E põe no lugar deles novas Carla Perez, novos Mamonas Assassinas, novos Negritudes Juniores. Percebem quem cala o quê?
As gravadoras calam, ao negar acesso ao ouvinte às dezenas de talentosos jovens que as procuram, com a política de ganhar muito, e ganhar rápido, a mais importante forma de expressão cultural brasileira. Mas calam a música também de outras maneiras. Há décadas a classe musical vem tentando fazer com que as gravadoras numerem os discos - é a única forma de controlar, efetivamente, quanto foi vendido de que produto. O lobby dos fabricantes de disco contra a medida é tão forte que o último ato do então presidente Garrastazu Médici foi vetar uma lei que obrigava as fábricas a numerar seus discos.
Assim, as fábricas dizem: você vendeu tanto. O "tanto" é quanto elas decidirem (o que ocorre com a possível outra parte? Há suspeitas, ditas medrosamente, à boca pequena). E o "você" em questão aceita - ou tira o time de campo. Se brigar, não grava mais. As editoras musicais, quase todas ligadas às grandes gravadoras, usam a mesma política. Tom Jobim começou a ganhar dinheiro quando passou a editar suas músicas fora do sistema viciado (palavra branda) brasileiro. Assim, ganhava mais por músicas pouco conhecidas do que pelos grandes sucessos, administrados por firmas daqui. A ABPD está voltando baterias contra piratas pé-de-chinelo, fingindo não ter telhado de vidro.
Fonte: "O Estado de São Paulo"
'Pirataria'
PIRATARIA: Queimados mais de 12 milhões de dólares em produtos piratas na Jamaica!
Más notícias para a música jamaicana. O mercado fonográfico sentindo as punhaladas da pirataria!
Combate à Pirataria: Lula pede que artistas reduzam preço dos CDS!
Pirataria: Arquivos auto-destrutivos protegerão direitos autorais!
Gravadoras temem o lançamento dos discos de 100 horas! Pirataria comemora!
Pirataria de CD’s!
|